sábado, 2 de maio de 2009

A Senhora Jornalista ...


«Num País no qual a Constituição estabelece a separação entre Estado e Religião,mas onde a maioria dos deputados e as mais altas figuras do estado não têm pejo em «congratular-se» com o facto de uma confissão considerar que um homem do século XIV salvou um olho de mulher do século XXI, milagre mesmo é isso: que alguém resista no pagode». (1)


O activismo político representado no comentário acima transcrito é elucidativo, para nós, da fragilidade cultural em que o País continua a viver há muito tempo, há décadas. Discutir a forma como uma figura obteve o mérito da canonização é pouco relevante, na medida em que isso pertence às regras de uma instituição secular. Não nos importa aqui o mérito do milagre. A questão é outra.

Uma figura nacional ser reconhecida num património acima das Nações é, ou deve ser valorizado pelos representantes dessa comunidade nacional. Além do mais, não é uma figura qualquer. Como já aqui explicámos em post anterior, esta é uma figura que teve na sua acção, um exemplo de luta por ideias que não são de desprezar. A recolha espiritual e a ajuda aos outros ainda parecem ser bons exemplos. «A vida com ousadia», como disse Chaplin, é ainda uma boa inspiração.

Além disso e em poucas palavras ajudou e foi instrumento para retirar a monarquia e a corte do rei de um quotidiano demasiado privado e envolve-lo numa acção com a população. Envolvimento na luta por um Projecto de renovação social, que seria também de dimensão nacional.
A Senhora jornalista não compreende isto e opta por nos brindar, na senda dos progressismos balofos, de que tudo isto é um pagode. Não são as respeitáveis convicções da Senhora Jornalista, que nos garantem a validade da verdade nesta questão.

Em segundo lugar as suas afirmações revelam uma criação ideológica, que na História de Portugal, infelizmente para a Nação, tem sido fértil, a de que a validade dos actos culturais está limitada ao universo onde nasce. É por isso mesmo que vivemos há demasiado tempo entre o triunfalismo religioso e o ataque à Igreja. Quantos exemplos: De D. Manuel, a D. JoãoV, de Pombal ao Liberalismo. Entre o estado Novo e a 1ª República o mesmo caminho sinuoso.

Há pois uma espécie de canibalismo na sociedade portuguesa, incapaz de compreender que o País, uma memória colectiva pode e deve organizar-se na junção de diferentes valores e que a validade cultural não depende dos agentes que a fundamentam, mas da sua essência.

Justamente porque também a democracia neste Pais ainda não o compreendeu, vivemos sem uma comunidade de valores partilhados que repetimos como outros actores, gestos antigos.
A de observarmos partidos que são agências de emprego do próprio Estado, a dos gastos desnecessários de quem se imagina rico (financiamento partidário), a da redução de investimentos em sectores produtivos, quando isso é apenas eleitoralmente significativo para o governo (a perda de investimento no sector agrícola) e o mesmo espectáculo, a desumanidade nos valores (utilização da imagem, contratação de crianças, gastos marginais em sectores vitais como as doenças de alto risco).

Não é por a Constituição criar a separação entre Estado e Religião, que a Senhora Jornalista pode apagar a influência da Igreja na construção da cultura portuguesa. E também pensará a iluminada escrevente que o arrojado acto de não ter sido recebido o Dalai Lama, Prémio Nobel da Paz, em audiência de Estado por este governo, é um sinal de superioridade moral, ou uma clarividência contra o »pagode»?

Há sim um pagode. Imenso, triste e absurdo. O de que persiste em manter um Pais impelido, não a criar riqueza, mas sim pequenos ricos, que o Poder gosta de abençoar em missas solenes. Como todos ganharíamos se quem ocupa o Poder soubesse dar expressão verdadeira às palavras de Sophia. A do respeito pela palavra e pelo significado da nossa própria humanidade, afastando esse jogo que «transforma as palavras em moeda/como se faz com o trigo e com a terra.»
(2)

(1) Fernanda Câncio, 17/04/2009, citado do Blogue http://activismodesofa.blogspot.com)
(2) Sophia de Mello Breyner Andresen,
« Com Fúria e Raiva», in Antologia
(Imagem, O Castelo do Queijo, na Foz do Rio Douro)

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