domingo, 30 de novembro de 2008

Fernado Pessoa - Evocar o Génio - (3)

Autopsicografia

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa Ortónimo, Obras Completas, Assírio e Alvim

Fernado Pessoa - Evocar o Génio - (2)

Fernando Pessoa

Isto



Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,

É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.

Sentir? Sinta quem lê!

Fernando Pessoa, Obras Completas, Assírio e Alvim

Fernado Pessoa - Evocar o Génio - (1)

Alberto Caeiro

O meu olhar é nítido como um girassol.

Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,

E de vez em quando olhando para trás...

E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
sei ter o pasmo essencial

Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...

Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo...
Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele

Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele

(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo ...

Eu não tenho filosofia, tenho sentidos...
Se falo da Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...

Fernando Pessoa, Obras Completas, Assírio e Alvim

Fernado Pessoa - Dos Heterónimos à Mensagem


«Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo»
Alberto Caeiro, Guardador de Rebanhos

Pessoa, do latim, personna, significa personagens e eram as máscaras do teatro romano. De certo modo é por este contexto que se poderá explicitar a profundidade, fascínio e variedade da obra do poeta.
Sendo o homem, ele e a sua circunstância, Fernando Pessoa reflecte o ambiente histórico em que viveu. A Crise do Ultimato Inglês, a decadência da monarquia, a incapacidade da República em alterar o estado de atraso profundo do País, começaram por influenciar o seu pensamento. Os acontecimentos trágicos à volta de Sidónio Pais, primeiro e depois a atmosfera bolorenta criada por Salazar fizeram-no compreender, à semelhança de Almada que o País estava muito longe de ser algo de digno.

A sua poesia criará uma multiplicidade de personagens, que no fundo são as diferentes perspectivas que cada um de nós poderá reivindicar neste movimento que procura ser a vida e o próprio universo. Pode a vida ser um caminho objectivo, onde se valoriza o ser, e onde a emoção e a razão não têm lugar, como o definiu Alberto Caeiro? Ou neste processo, nesta construção que é a vida de todos os dias, poderemos ou deveremos antes ser conduzidos pelo sentir de acordo com as transformações do Mundo moderno, contestando os valores culturais na tentativa de encontrar alguma verdade, algum valor universal, que conduza o Homem, como o apresentou Álvaro Campos? Teremos alternativa a estes dois caminhos?

Poderemos simplesmente viver, de acordo com um fundo de valores que foi sendo recolhido pela memória histórica, como o sugeriu Ricardo Reis? No fundo nos heterónimos encontramos a imensa variedade de possibilidades que formam o género humano.

A Mensagem, relato poético dos feitos dos portugueses, não é um texto que procura enaltecer o passado de um povo. A verdadeira e única força capaz de modernizar o País seria a criação de um quinto Império, onde só o valor da cultura e das ideias poderia reconstruir um futuro diferente. Portugal só poderá ser diferente, isto é melhor, se for ele próprio, se assumir a sua verdadeira dimensão.
O modernismo de Pessoa é a tentativa de através das letras e da arte transformar pelos sonhos e pelas atitudes o horizonte futuro de Portugal.
A Mensagem, como toda a sua obra é de uma natureza universal porque sonha criar a multiplicidade que cada ser humano transporta, a nossa Humanidade. Avaliar em cada momento o que poderemos ser, de acordo com o que somos, recriando isso no futuro é uma das heranças de pensamento que Pessoa nos deixou. Só os verdadeiros génios conseguem na onda do tempo quotidiano, compreender e revelar como poderemos transformar o presente, assumindo uma dimensão de desenvolvimento que sucessivamente vem falhando, em sucessivas gerações a este País.
É justamente porque aqui, os movimentos de ideias não actuam sobre a organização social que tantos não tiveram a oportunidade de contribuir para que ainda hoje se sinta um imenso nevoeiro, onde «tudo é incerto e derradeiro (...) tudo é disperso, nada é inteiro.»
Sendo um blogue de livros, não podemos deixar de concluir com Mariano Deidda, que «Pessoa inventou a literatura», não por ter inventado as palavras, mas por ter feito nascer novas palavras às que pensámos já conhecer, numa dimensão de futuro, onde a nossa única limitação só pode ser a nossa própria imaginação.


Fernado Pessoa - 30 de Novembro de 1935 -




«E o meu coração é um pouco maior que o universo inteiro»

Álvaro Campos, 4/07/1934

Nos cento e vinte anos do nascimento de Fernando Pessoa procuramos nestas linhas lembrar, em mais um aniversário do seu desaparecimento físico, aquele que é, pois os poetas nunca morrem, um dos maiores génios da cultura portuguesa de sempre.
A dimensão universal de Pessoa é tão vasta que, por agora, apenas daremos alguns dos traços que marcaram a sua vida, deixando a sua fascinante obra e personalidade para um pouco depois.
Apresentação Biográfica - Fernando Pessoa nasceu no dia treze de Junho de 1888, em Lisboa, sendo filho de uma mãe originária dos Açores e de um pai lisboeta. Perde o pai em 1893, passando a viver com um padrasto que era cônsul de Portugal em Durban, na África do Sul. Fernando Pessoa vive na África do Sul entre 1896 e 1905, onde realizou a instrução primária, o ensino liceal e a frequência do Ensino Superior. Frequenta a partir de 1906 o Curso Superior de Letras na Universidade de Lisboa que abandonou em 1907.
Começa a escrever a partir de 1910 e em 1913 constitui-se o primeiro modernismo em Portugal que junta Pessoa, Almada Negreiros e Mário de Sá-Carneiro. Será este grupo que formará o Orpheu, revista literária modernista de grande importância no campo das novas ideias que desde o início do século se tinham difundido noutros países da Europa.
A partir de 1914 surgem os seus primeiros heterónimos, Alberto Caeiro, Álvaro Campos e Ricardo Reis. Entre 1912 e 1935 escreverá diversos artigos, ensaios e textos diversos que serão publicados em revistas/jornais diversos. Em 1921 funda uma editora de livros onde publica poemas em inglês.
Em 1925 morre a sua mãe, desgosto que nunca ultrapassará. A partir de 1929 escreve excertos dos poemas que integrarão O Livro do Desassossego, que dará corpo a outro heterónimo, Bernardo Soares.
Em 1934 publica a Mensagem.
Morre em Lisboa em 30 de Novembro de 1935 com uma grave crise provocada pelo seu excesso no consumo de aguardente. Deixou uma obra muito vasta que após a sua morte foi sendo publicada e descoberta como sendo de primeira importância para a cultura e literatura mundiais.



domingo, 16 de novembro de 2008

Apresentar um livro - Luís Campos

James Sanllorente, Sorrisos de Bombaim /Greg Mortenson; David Relin, Três Chávenas de Chá



Dois livros, uma ideia comum, um projecto de solidariedade para o presente, que é o futuro de todos os dias. Reconstruir no presente a liberdade de milhões de seres humanos acabando com a escravatura da pobreza extrema, das doenças e da ignorância. Mudar o quotidiano, o actual, pelo trabalho comunitário em continentes, onde o extremismo, a religião do medo e o fanatismo criaram divisões insuportáveis para os direitos e valores da Humanidade, neste e em séculos passados.
O ponto de união dos dois livros é a crença na vontade, no valor de cada pess
oa para alterar não só o que está errado, mas o que é injusto.
Primeira história - Um jornalista espanhol ao visitar Bombaim descobre em que condições vivem nas ruas centenas e centenas de crianças, sujeitas à doença, à fome, à prostituição, a todas as violências. Num acto de grandeza, generosidade e amor consegue recuperar muitas crianças, criando orfanatos devolvendo-lhes a dignidade perdida. Um exemplo de coragem, uma lição de que todo o Universo, sentido-nos todos parte dele, afinal podemos concretizar individualmente uma mudança que atinja todos no melhor dos sentidos.
Segunda história - Um alpinista americano, ao escalar o K2, a segunda maior montanha do Planeta conheceu no povo balto a hospitalidade simples de uma cultura ancestral. No território do fundamentalismo islâmico, entre os caminhos da Al-Kaeda e dos Talibãs, num mu
ndo esquecido, um homem tenta a conciliação de culturas e porque não dizê-lo de civilizações. Nas altas montanhas da Ásia, entre o Paquistão e o Afeganistão um homem tenta construir a paz com o desenvolvimento de uma comunidade. Com a ideia de criar escolas, especialmente para meninas e apoio a projectos comunitários, um homem cria uma resposta generosa onde muitos, demasiados, só parecem encontrar a guerra. É ainda uma lição de vontade e de inteligência. Mas é igualmente uma lição de recompensa, a do sorriso brilhante de todas aquelas crianças que nos ensina que só de olhos abertos se pode compreender o mundo.
Duas leituras que envolvem livros, sonho, esperança e determinação na vontade humana. Dois projectos de criação de ONG's que nos demonstram que a mudança individual é sempre muito importante, pois cada de um de nós representa «o resto da Humanidade», nas palavras sábias de Krishnamurti.
Se este tema te interessa ou se quiseres ajudar na sua divulgação, podes consultar na Net:
www.bombaysmiles.org e www.Threecupso
ftea.com



quinta-feira, 6 de novembro de 2008

4 de Novembro de 2008, A Esperança de reconstruir o sonho do Homem

No passado dia quatro de Novembro, um homem fez-nos acreditar que o progresso material, a vontade e a determinação pelo futuro é um sonho possível. Hoje, nestes tempos de incerteza as ideias, são como o foram no passado o que nos pode alimentar essa vontade de mudança. Sendo um blogue de livros, as palavras de vitória de Barack Obama feitas em Chicago são ao mesmo tempo inspiradoras e dão um testemunho do valor da Humanidade que todos afinal transportamos. Ele disse:
«Esta eleição contou com muitas histórias que se irão contar durante várias gerações. Mas aquela que eu hoje trago comigo é sobre uma mulher que depositou o seu voto em Atlanta. Ela é muito parecida com os milhões que aguardaram vez para que a sua voz fosse ouvida nesta eleição, à excepção de uma coisa: Ann Nixon Cooper tem 106 anos. Ela nasceu apenas uma geração depois da escravatura, numa altura em que não haviam carros nas estradas, nem aviões no céu, em que alguém como ela não podia votar por duas razões: porque ela era mulher e por causa da cor da sua pele.
E hoje, penso em tudo aquilo que ela viu ao longo do seu século de idade na América - as dores de cabeça e a esperança; a luta e o progresso; os tempos em que nos foi dito que não podíamos, e as pessoas que empurraram o credo adiante: «Yes we can».
Quando havia desespero (...) e depressão em todo o país, ela viu uma nação conquistada pelo medo, com um New Deal, novos trabalhos, uma nova sensação de objectivo comum: «Yes we can». Quando as bombas caíam no porto [Pearl Harbour] e a tirania ameaçou o mundo, ela era testemunha de uma geração que emergia à grandeza e de uma democracia que era salva: «Yes we can».
Ela esteve lá para os autocarros de Montgomery, para as mangueiras em Birmingham, a ponte em Selma, e para um pregador de Atlanta que dizia às pessoas que elas conseguiriam triunfar: «Yes we can». Um homem tocou na lua, um muro caiu em Berlim, um mundo ficou ligado pela nossa ciência e imaginação: «Yes we can».
E este ano, nesta eleição, ela tocou com o dedo no ecrã e votou, porque ao fim de 106 anos de América, ao longo das melhores horas e das horas mais sombrias, ela sabe como a América pode mudar: «Yes we can».
América, fizemos um longo caminho. Vimos tanto. Mas ainda há tanta coisa a fazer. Por isso, esta noite, vamos perguntar a nós próprios - se as nossas crianças viverem para ver o próximo século, se as minhas filhas tiverem a sorte de viverem tanto como Ann Nixon Cooper, que mudança é que vão ver? Que progresso teremos nós feito?
Esta é a nossa oportunidade de responder a essa pergunta. Este é o nosso momento. Este é o nosso tempo».

Deixamos os nossos agradecimentos aos autores do blogue «A vida é uma Magnólia», de onde a citação do discurso foi retirada.


segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Mês Internacional das Bibliotecas Escolares



De acordo com os princípios estabelecidos pelo IASL, International School Library Month, comemorou-se em Outubro o Mês Internacional das Bibliotecas Escolares.
Assinalámos esta data com a entrega pelos professores de Língua Portuguesa de uma marcador de livro a todos os elementos do agrupamento escolar.
Procurou-se deste modo chamar à atenção de todos não só para a importância da leitura e do livro, como elementos formadores, mas também para a necessidade de se frequentar as Bibliotecas e encontrar nelas espaços diversos, mas interessantes de aprendizagens várias.

sábado, 1 de novembro de 2008

Nota de Abertura



Este blogue pretende ser uma montra de livros, um local onde se reflecte sobre a leitura, onde se imaginam sonhos relativos à natureza do Homem.
Somos afinal a única espécie que devora as palavras para se poder exprimir, revelar o que cada um transporta, na procura de um sentido para cada experiência humana. Como seres que ambicionam a beleza e a liberdade, é nos livros, também, que são a memória da nossa inquietação, o objecto material que pode exprimir a nossa real medida, como o pensavam os renascentistas.
Os livros são pois companheiros de uma viagem longa, de grande espanto, onde pela nossa leitura, por aquilo que podemos reconstruir temos a possibilidade de acrescentar uma linha, um verso, uma palavra à fantástica aventura da vida.
Lemos, pois para actualizar pelas perguntas as respostas que o passado, a memória nos deixou. Lemos igualmente para perante todas as adversidades encontrar linhas onde possamos renascer todas as manhãs.
Iremos assim aqui apresentar escritores, «ilhas fraternas de ternura», nas palavras iluminadas de António Lobo Antunes, no sentido que outros se interroguem, leiam e escrevam.
É assim um projecto de uma comunidade educativa que procura partilhar leituras, trocar opiniões, escrever e comentar sobre o grande dever do Homem,o sonho, como o sugeriu Fernando Pessoa. Aparecerão livros de diferentes contextos, consoante a participação dos elementos a que este blogue pretende testemunhar.
A primeira proposta é a de que todos apresentem brevemente um livro, significativo, pela ideia, espaço ou tempo de leitura.
Agora que se dá início a este projecto, a única certeza é que será o Homem, a sua História, isto é a sua humanidade, o seu conhecimento, as suas emoções o elemento comum a dinamizar este projecto de leitura e escrita.