«Descrê da objectividade, da capacidade de apreender a realidade e da possibilidade de o conhecimento científico chegar a conclusões, ainda que questionáveis e possivelmente provisórias. (1)
No dia dos cento e vinte e sete anos do nascimento de Braque, aqui apontados, um pequeno achado, que é um excelente livro. De uma autora que certamente faz parte daqueles que gostam de questionar as ideias feitas, a examinar as ideias vazias que com incredulidade persistem.
Vivemos neste País, numa Pax Legislativa que nos tem trazido o desprezo pelo conhecimento numa legitimação que não visa a compreensão da aventura humana. Interpretar, sem conhecer, confundindo aptidões com qualidades. Neste império pratica-se a discriminação perante a cultura clássica e as Humanidades. Vive-se da ideia imbecil que conhecimento são as Ciências Exactas. Os resultados do desastre já se anunciam no horizonte, para quem os quiser ver e sentir.
Maria do Carmo Vieira, num pequeno, mas inspirado livro deixa-nos o consolo que como o sabíamos esse é um caminho sem espírito, sem determinação pelo futuro. Um pequeno excerto que nos prova que o homem que manipula a electricidade e o átomo é na sua essência o que aspira a compreender o universo e a transformá-lo. Um excerto.
O que sente o cientista perante a Natureza senão espanto e encantamento? Observando e folheando esse grandioso livro, estímulo da sua curiosidade, o cientista procura, como salientou Galileu, aprender a entender a língua, e a conhecer os caracteres em que está escrito, no intuito de interpretar com rigor aquilo que parecia impenetrável. Também nós, ouvindo quando crianças as histórias de fadas, desabrochamos para a ciência, valorizando a observação e descobrindo quão misterioso, belo e exuberante é o espectáculo da Natureza.
Aprendemos Geografia, acompanhando cavaleiros, príncipes e futuras princesas, e atravessando com eles aldeias e cidades, rios de corrente calma ou turbulenta, montanhas escarpadas, grutas tenebrosas ou planícies infindas, acabando por adormecer ao relento, sob o luar ou uma cúpula de estrelas; (...).
A Botânica surge nas ervas milagrosas que uma fada velhinha vai apanhar a lugar distante, e só dela conhecido, com as quais curará quem encontrar em aflição ou a procurar; também no bosque frondoso e enfeitiçado que é preciso atravessar, em busca de um imponente carvalho milenar que guarda o segredo de um tesouro; como ainda no florir deslumbrante de uma macieira, de cujas flores resultarão belas maçãs, milagrosamente doiradas e com o dom de satisfazer três pedidos.
Num esboço de Zoologia, familiarizamo-nos com nomes de pássaros, reconhecendo o canto da cotovia ao amanhecer ou do rouxinol ao chegar a noite, a que se junta o piar de «mau agoiro» da coruja.
Marcamos encontro com a Física e a Química, suspirando pela vinda do sol para derreter a neva que prende a perna da formiguinha, que quer «voltar para a sua vidinha», ou que isolou e aprisionou o rei caçador num velho casebre; ou quando presenciamos, também em aflição, o fogo da floresta e desejamos salvar os animais, que fogem assustados e em pânico por causa do fogo asfixiante.
Visita-nos a Matemática em alqueires de trigo, arrobas de batatas, dúzias de ovos ou de maçãs mágicas, milhares de moedas de oiro, ou em números mágicos (...).
Até a Mitologia nos presenteia a imaginação com monstros que, não existindo, existem e persistem no nosso imaginário: dragões, sereias e bichos-de-sete-cabeças.
O Tempo encarregar-se-á de sustentar e fortalecer gradualmente esse sentimento afectivo pela ciência e também pela arte.”
Maria do Carmo Vieira, A Arte, Mestra da Vida, Quimera
citado de Rerum Natura. blogspot.com
citado de Rerum Natura. blogspot.com
(1) Nuno Crato, O Eduquês, Em Discurso Directo, pág. 13
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