quinta-feira, 7 de maio de 2009

O desgaste cívico das instituições


É sempre reconfortante encontrar alguém que sentindo o que vai pelo ser de uma Nação, nos faz compreender em palavras simples e completas o que nos permite explicar o que os sábios de serviço não querem que entendamos. É justamente por esta degradação cívica das instituições, que importa discutir, para que o presente não seja um troféu que alguns exibem sem grandeza e o futuro possa verdadeiramente Ser.

António Barreto, no Público de 3 de Maio de 2009, com o Título «A tão frágil liberdade».

«Primeiro, contaram
. Não acreditei. Pensei logo que se tratava de exagero. De mais um rumor urbano contra a política e os políticos. Depois, vi uma fotografia nos jornais. Rendi-me. (...) No fim dos discursos, em aperitivo para o beija-mão e os cumprimentos de função, cantou-se o hino nacional. De pé, os nossos representantes tentaram recordar e trautear aquelas heróicas e obsoletas palavras. Sobretudo, esforçaram-se por não desafinar. Pois bem, nesse momento solene, algo de extraordinário aconteceu.

Ao mesmo tempo que soavam as últimas estrofes da canção nacional, nos enormes ecrãs de plasma, pendurados nas paredes do hemiciclo, começavam a ser projectadas fotografias. (...) algures, na sede da PIDE ou da Censura, em Abril de 1974, um soldado retira das paredes uma fotografia de Salazar. Inesquecível! Absurdo!
Pode pensar-se que o episódio não tem importância. Que foi uma brincadeira. Um devaneio. Que ninguém, além dos deputados e das altas individualidades, vê o que se passa no Parlamento. Qualquer coisa. Mas a verdade é que tem importância.

Trinta e cinco anos depois de Abril, a democracia continua a viver à custa de Salazar e da sua queda. Parece que o regime democrático e a liberdade nada têm a oferecer ao povo para além do derrube do ditador. (...)
Aqueles partidos e aquela instituição vivem obcecados. Sentir-se-ão culpados? De quê? De não terem sabido governar o País com mais êxito e menos demagogia? De perceberem que a população está cada vez mais cansada da política e indiferente aos políticos?

Preocupante é haver alguém que pense que aquelas imagens produzem algum efeito!
A política contemporânea é de tal modo medíocre que o derrube do anterior regime é ainda mais importante do que o novo regime democrático. Essa é a mágoa! Trinta e cinco anos depois, a liberdade e tudo quanto se vive não são já mais importantes do que aquele dia de derrube. (....)

Que Parlamento no mundo, em dia solene ou simplesmente em dia de trabalho normal, se dispõe a exibir fotografias dos inimigos da democracia? Será assim tão frágil a nossa liberdade que necessitemos de a legitimar sempre com o derrube de um ditador? Por quantos anos vamos assistir a isto? Nenhum dos argumentos previsíveis é satisfatório. Dizem que é preciso recordar. Reler a história recente para que a ditadura não volte. Gritar «nunca mais», para que nunca mais seja.

É exactamente o contrário. A falta de capacidade de respirar livremente, sem recordar os fantasmas, é a vontade de viver amarrado ao passado. Este regime é débil, porque não encontra em si próprio, nos seus méritos, razão suficiente para se legitimar e justificar. Para se assumir sem inventar ou ressuscitar inimigos. Esta insegurança revelada pelos dirigentes políticos contrasta com a certeza de muitos cidadãos. Inquéritos recentes mostram os sentimentos dos portugueses. Querem a liberdade. Não necesitam de fantasmas para se sentirem livres. Ponto final

(Imagem, in galeriaphotomaton.blogspot.com)

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