«Há dias em que as mães parecem a madrasta da Branca de Neve. Só que a madrasta da Branca de Neve está nos livros e as nossas mães estão em casa, na mesma casa do que nós. E isso é mau, muito mau...
Nos dias em que as mães se transformam em madrastas da Branca de Neve põem-se, como ela, em frente de um espelho a perguntar se há alguém mais bonito do que elas. E ficam mesmo zangadas quando o espelho (em que tempo julgam que vivem, meu Deus!?) não responde nada. Nesses dias, as mães estilhaçam muitos espelhos, o que como toda a gente sabe dá sete anos de azar, também para os filhos.
Mas não é tudo. Nesses dias as mães berram com os pais e gritam connosco apenas porque só nos apercebemos no carro de que nos esquecemos da mochila em casa e temos que voltar (bolas, que gente cheia de pressa, que diferença fazem dez minutos!?).
Nesses dias, qualquer miúdo inteligente sabe o que tem que fazer: pisgar-se dali! se os pais são divorciados, liga-se ao pai e pede-se socorro. Se o pai vive em casa (pelo menos vivia... até hoje!), liga-se a perguntar se ele não nos quer levar ao futebol (não sei lá porque é, mas habitualmente nestes dias ele aceita). Se os pais não nos puderem salvar, pede-se ajuda a um amigo. Os amigos também têm mães que de vez em quando se transformam em madrastas da Branca de Neve, por isso normalmente dizem logo: «Anda lá, pá». Além do mais sabem que, mais dia, menos dia, vão ser eles a precisar de fugir lá para casa...
Mas se realmente não houver por onde fugir é preciso redobrar a esperteza e o cuidado. Nesses dias, é preciso entrar em casa sem fazer barulho, sentarmo-nos à mesa a fazer os TPC (mesmo que a televisão esteja ligada ... baixinho, claro), oferecermo-nos para pôr a loiça na máquina (embora nestes dias fosse melhor comer em pratos de papel, não vá a mãe irritar-se durante o jantar), e arranjarmos a primeira desculpa para irmos para a cama.
E, se formos corajosos, podemos tentar fazer as vezes do espelho e dizer:
- És a mais bonita de entre todas!
Às vezes resulta.
Se não resultar, é esperar pacientemente pelo dia seguinte, porque normalmente as mães, mais hora, menos hora, transformam-se outra vez em mães».
in, Isabel Stilwell, Histórias para contar em um minuto e meio
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