Hoje comemora-se o Dia Mundial da Criança. É uma data importante. Deve ser assinalada. A oportunidade do tema é por demais evidente. As dificuldades, as violações, a incompreensão e o abandono, a pobreza, a fome, a doença. Falar disto e já ficamos embaraçados pelo quadro, pelas dimensões. Mas importa falar. E não é fácil. As comemorações oficiais parecem pouco significativas. E a inspiração para escrever nem sempre nos habita, mas deve-se falar sobre esse tempo, que alguém chamou um «país diferente» (1), onde tudo acontece de modo diferente. Tentemos pois.
A criança tem em si o melhor que a Humanidade pode usufruir. A criança nasce com a capacidade de apreciar o que a envolve, digamos que contempla o mundo e contempla-o com curiosidade. Constrói o mundo numa sequência de eternas perguntas e com elas procura compreender o seu mundo, o seu espaço. Contempla-o numa dimensão inexistente para os adultos. Olha para o mundo com curiosidade e não tem ainda a consciência do crescimento e por isso procura respostas ilimitadas para um tempo, onde a morte ainda não entrou com clareza. É por isso um tempo mágico.
A criança é ainda um espaço de entusiasmo para os adultos, pois como todos o fomos, quantas vezes lá tentámos voltar. Mas não é fácil. Temos imagens, recordações, mas na verdade o essencial escapou-nos. No entanto as memórias que a nossa pele traz dá-nos convicções para um dia perante outras crianças que estão perto de nós procurarmos ter ideias sobre os que elas podem ser. E no entanto todos os dias ouvimos histórias arrepiantes com crianças. Parecem inacreditáveis. Vindas de territórios de fantasmas.
E é isso que nos perturba. Como entender e viver numa sociedade onde a rua já é um perigo, onde os desconhecidos, são mais do que não conhecidos, podem ser eminentes perigos à solta. E no entanto, o conforto e a preocupação com as necessidades das crianças é ainda recente. Ela apenas existe há pouco mais de cem anos. E já perdemos esse conforto.
É neste dilema que a Literatura, parte de um conhecimento do real, poderá recriar os modelos de fantasia e imaginação que darão a novas gerações de crianças e adultos uma perspectiva de crescimento, para novos tempos, mas onde a fantasia, a pureza, o encanto, a beleza fora de um tempo real permita ainda acreditar que há sempre perfeitos dias. Os da infância. Certamente que eles garantirão futuros mais encantados. Uma música (Lou Reed, Perfect Day), para os que vão conseguindo , ainda que com dificuldade e cansaço, perpetuar esses dias luminosos.
(1) - Helena Vasconcelos, A Infância é Um Território Desconhecido
(Imagem, Claude Monet, Popies, in Impressionismo)
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