Vasco Pulido Valente, com a inteligência de sempre, escreveu um texto publicado no Público de hoje que nos mostra, como o voto, instrumento de consistência da representatividade da Democracia, está entre nós desvirtuada, com consequências graves para a saúde estrutural do próprio País. Pela sua escrita e validade deixamos aqui as suas palavras.
« Na usual sessão comemorativa do «25 de Abril», o sr. Presidente da República resolveu fazer um longo e comovedor apelo ao voto. O voto, disse ele, é um acto cívico e um acto de responsabilidade. Os portugueses têm de escolher quem os governa e, sobretudo, como querem ser governados. Toda a gente conhece esta conversa. E os cavalheiros presentes, como se esperaria, concordaram com a coisa, tanto mais que as sondagens prevêem uma abstenção enorme. Mas Cavaco não explicou por que razão, ao fim de 35 anos de democracia, era ainda precisa esta espécie de «magistério», como ele gosta de lhe chamar. Talvez por causa da circunstância e do auditório, talvez porque pura e simplesmente não sabe ou talvez, porque, sabendo, não pode ou não lhe convém.
E, no entanto, a crescente indiferença do país pela política não é um mistério. O cidadão comum despreza os partidos - pela sua ineficácia, pela sua hipocrisia e pela sua mais do que notória corrupção. Entre ele e os partidos quase só há hostilidade e desconfiança. A hostilidade e desconfiança que o indivíduo isolado invariavelmente sente por sociedades para iniciados, que defendem e partilham interesses pouco claros (...) Esse universo [o dos partidos] não é o universo da vida vulgar. É um universo à parte, que não obedece às mesmas regras, não fala a mesma língua e não sofre naturalmente a mesma angústia ou o mesmo desespero.
O votar, é em teoria, um exercício de poder. O voto, em teoria, muda, rejeita, sustenta, corrige. Infelizmente, em Portugal, o voto não é poder. Com [ os diferentes partidos de governo ] o país continuou como de costume na sua tristeza e na miséria. Mais do que isso: piorou. E agora, de repente, a classe dirigente decide prevenir que, para lá da crise mundial, a nossa crise, cuidadosamente alimentada desde 1995, nos promete um lamentável futuro. Por onde andavam as luminárias de hoje, quando pouco a pouco o actual sarilho se foi armando? Provavelmente no governo, inevitavelmente nos partidos - com o seu profissional optimismo e os seus largos sacos de promessas. (...) Quem acredita - em 2009 - que votar é de facto um acto cívico e um acto de responsabilidade?»
E, no entanto, a crescente indiferença do país pela política não é um mistério. O cidadão comum despreza os partidos - pela sua ineficácia, pela sua hipocrisia e pela sua mais do que notória corrupção. Entre ele e os partidos quase só há hostilidade e desconfiança. A hostilidade e desconfiança que o indivíduo isolado invariavelmente sente por sociedades para iniciados, que defendem e partilham interesses pouco claros (...) Esse universo [o dos partidos] não é o universo da vida vulgar. É um universo à parte, que não obedece às mesmas regras, não fala a mesma língua e não sofre naturalmente a mesma angústia ou o mesmo desespero.
O votar, é em teoria, um exercício de poder. O voto, em teoria, muda, rejeita, sustenta, corrige. Infelizmente, em Portugal, o voto não é poder. Com [ os diferentes partidos de governo ] o país continuou como de costume na sua tristeza e na miséria. Mais do que isso: piorou. E agora, de repente, a classe dirigente decide prevenir que, para lá da crise mundial, a nossa crise, cuidadosamente alimentada desde 1995, nos promete um lamentável futuro. Por onde andavam as luminárias de hoje, quando pouco a pouco o actual sarilho se foi armando? Provavelmente no governo, inevitavelmente nos partidos - com o seu profissional optimismo e os seus largos sacos de promessas. (...) Quem acredita - em 2009 - que votar é de facto um acto cívico e um acto de responsabilidade?»
Vasco Pulido Valente, «A Utilidade do Voto»,
in Jornal Público, 26 de Abril de 2009
(Imagem, in cidadao-e-profissionalidade.blogspot.com)
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