Trinta e cinco anos depois, já é possível e necessário começar a analisar este acontecimento não só como memória do passado, mas também como elemento próprio da sociedade contemporânea.
Entendamo-nos. O 25 de Abril de 1974 é o principal marco da História Contemporânea do século XX. O País evoluiu muito, em aspectos essenciais, como a taxa de mortalidade infantil, o analfabetismo, a escolarização, o acesso à cultura e a condições materiais de conforto. A rede viária, a proximidade de bens, serviços e pessoas é incomparável. Por que então vivemos com esta sensação que estamos distantes de um progresso social recompensador?
Sitiado pelo processo revolucionário a sociedade emergente não soube pelos seus actores construir um Estado de Direito com verdadeiros alicerces. O espaço público, a justiça, a formação educativa sucumbiram a ideias que não se souberam exprimir no próprio tempo histórico. Uma coisa é realizar um golpe de Estado, outra organizar a sociedade no espírito do tempo. A construção política que emergiu da revolução fez juntar figuras que convertidas à Democracia, a foram servindo em partidos que desde o início não representavam as pessoas. A Europa permitiu superar algumas dificuldades, parecendo ser o motor do planeamento económico e da organização jurídica do País.
Economicamente empobrecido, socialmente pouco móvel, educativamente limitado, a Europa dar-lhe-ia mais forma que conteúdo. A sociedade e o Estado que os idealistas do 25 de Abril supunham poder-se construir, está hoje muito distante. Distante da aparência de Democarcia que uma determinada esquerda sonha e que nem no passado representava qualquer presente.
Distante, sobretudo de um Estado de Direito Democrático, que seria o garante mínimo de uma sociedade mais justa e solidária. Ao nível empresarial a visão de risco é pobre, as associações culturais que existem têm pouca influência na vida pública, como voz da sociedade civil. A nível político, a Democracia para o ser tem de ser exercida com responsabilidade, vivida com valores humanistas e não pode ser só justificada através de actos eleitorais que concedem aos que governam todos os poderes e possibilidades.
Instalados numa aceitação acrítica de valores, os partidos rumaram na cabotagem de interesses e de facilidades, apenas preocupados como no horizonte se reproduzia o controle do poder. Incapazes de falar a verdade, prometeram o que não podiam cumprir desvinculando as pessoas dos órgãos representativos. Os partidos cuja representatividade social é fraca, podem propor pretendentes de exercício do poder que igualmente não são figuras nacionais e não desempenharam na sociedade local projectos de dinamização dessa sociedade. O casting político vive de regras que poucos compreendem e que uma minoria impõe.
Sem incentivo à discussão de ideias, com controle do que os cidadãos devem saber, caminhou-se na actual Legislatura no paraíso tecnológico, onde à sombra da inovação se vendem os meios de limitar a privacidade dos indivíduos. Pacheco Pereira no Público de ontem levanta a questão de forma brilhante: pode-se criar uma verdadeira sociedade totalitária em plena Democracia? (1)
Com os instrumentos de vigilância criados, com um estado que não está auto-regulado pela sociedade, que tem das suas funções uma ideia formal, com um exercício do poder pouco preocupado com «a respiração da liberdade» (1), vivemos na margem de uma sociedade que se prepara para uma visão totalitária do Homem. A História já nos mostrou que os «meios certos» nas mãos erradas podem produzir imensas catástrofes humanas.
Última questão. Não é a Democracia o sistema político que garante a igualdade nos direitos e a credibilidade nos processos, independentemente das pessoas? Ao contrário do que os aprendizes de política gostam de reafirmar, o presente não garante que tristes caminhos do passado regressem sob outras formas. Nos trinta e cinco anos do 25 de Abril de 1974, mais do que lembrar as imagens de um passado, importa comemorar ideais e valores e discuti-los.
É muito bonito ver sempre as mesmas imagens, os militares, a adesão popular, as manifestações , os cravos, as bandeiras,... Se não se compreender o que ali estava em discussão, comemorar esta data pode ter tanto significado para o funcionamento da sociedade como a conquista do Algarve no século XIII. É irrelevante para a construção diária. É a discussão das ideias que pode garantir uma construção mais sólida e justa do futuro.
Entendamo-nos. O 25 de Abril de 1974 é o principal marco da História Contemporânea do século XX. O País evoluiu muito, em aspectos essenciais, como a taxa de mortalidade infantil, o analfabetismo, a escolarização, o acesso à cultura e a condições materiais de conforto. A rede viária, a proximidade de bens, serviços e pessoas é incomparável. Por que então vivemos com esta sensação que estamos distantes de um progresso social recompensador?
Sitiado pelo processo revolucionário a sociedade emergente não soube pelos seus actores construir um Estado de Direito com verdadeiros alicerces. O espaço público, a justiça, a formação educativa sucumbiram a ideias que não se souberam exprimir no próprio tempo histórico. Uma coisa é realizar um golpe de Estado, outra organizar a sociedade no espírito do tempo. A construção política que emergiu da revolução fez juntar figuras que convertidas à Democracia, a foram servindo em partidos que desde o início não representavam as pessoas. A Europa permitiu superar algumas dificuldades, parecendo ser o motor do planeamento económico e da organização jurídica do País.
Economicamente empobrecido, socialmente pouco móvel, educativamente limitado, a Europa dar-lhe-ia mais forma que conteúdo. A sociedade e o Estado que os idealistas do 25 de Abril supunham poder-se construir, está hoje muito distante. Distante da aparência de Democarcia que uma determinada esquerda sonha e que nem no passado representava qualquer presente.
Distante, sobretudo de um Estado de Direito Democrático, que seria o garante mínimo de uma sociedade mais justa e solidária. Ao nível empresarial a visão de risco é pobre, as associações culturais que existem têm pouca influência na vida pública, como voz da sociedade civil. A nível político, a Democracia para o ser tem de ser exercida com responsabilidade, vivida com valores humanistas e não pode ser só justificada através de actos eleitorais que concedem aos que governam todos os poderes e possibilidades.
Instalados numa aceitação acrítica de valores, os partidos rumaram na cabotagem de interesses e de facilidades, apenas preocupados como no horizonte se reproduzia o controle do poder. Incapazes de falar a verdade, prometeram o que não podiam cumprir desvinculando as pessoas dos órgãos representativos. Os partidos cuja representatividade social é fraca, podem propor pretendentes de exercício do poder que igualmente não são figuras nacionais e não desempenharam na sociedade local projectos de dinamização dessa sociedade. O casting político vive de regras que poucos compreendem e que uma minoria impõe.
Sem incentivo à discussão de ideias, com controle do que os cidadãos devem saber, caminhou-se na actual Legislatura no paraíso tecnológico, onde à sombra da inovação se vendem os meios de limitar a privacidade dos indivíduos. Pacheco Pereira no Público de ontem levanta a questão de forma brilhante: pode-se criar uma verdadeira sociedade totalitária em plena Democracia? (1)
Com os instrumentos de vigilância criados, com um estado que não está auto-regulado pela sociedade, que tem das suas funções uma ideia formal, com um exercício do poder pouco preocupado com «a respiração da liberdade» (1), vivemos na margem de uma sociedade que se prepara para uma visão totalitária do Homem. A História já nos mostrou que os «meios certos» nas mãos erradas podem produzir imensas catástrofes humanas.
Última questão. Não é a Democracia o sistema político que garante a igualdade nos direitos e a credibilidade nos processos, independentemente das pessoas? Ao contrário do que os aprendizes de política gostam de reafirmar, o presente não garante que tristes caminhos do passado regressem sob outras formas. Nos trinta e cinco anos do 25 de Abril de 1974, mais do que lembrar as imagens de um passado, importa comemorar ideais e valores e discuti-los.
É muito bonito ver sempre as mesmas imagens, os militares, a adesão popular, as manifestações , os cravos, as bandeiras,... Se não se compreender o que ali estava em discussão, comemorar esta data pode ter tanto significado para o funcionamento da sociedade como a conquista do Algarve no século XIII. É irrelevante para a construção diária. É a discussão das ideias que pode garantir uma construção mais sólida e justa do futuro.
(1) José Pacheco Pereira, «Pode-se Criar uma Sociedade Totalitária em Democracia?»,
in Jornal Público de 25/04/2009
in Jornal Público de 25/04/2009
(Imagem, o nascer do sol, entre as montanhas do Parque Natural de Montesinho)
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