segunda-feira, 2 de março de 2009

A simplicidade no olhar, ... «Boa Noite, este é o Jornal das Nove»



«É a mim próprio que eu corrijo ao retocar as minhas obras» (1)

  Neste Pais, local onde se cultiva o vazio de responsabilidades, onde a realidade não se inscreve nas acções e a cidadania hesita entre o medo e a dúvida, temos ainda quem nos saiba encantar. Nesta descontinuidade do presente, onde o fundamentalismo do número justifica esta falta de espiritualidade e de reconhecimento pela dignidade do ser, temos ainda quem no fascínio das ideias goste particularmente delas e da sua força criadora.
  Neste País, de pequeno domínio público, onde a palavra Lei já pouco parece garantir, há quem pergunte, quem queira compreender na longa tradição que não é a nossa, porque aqui, o contrato eleitoral não aceita legítimo aceitar a palavra, matéria-prima da ideia descoberta, desde Sá de Miranda a Miguel Torga como um instrumento de transformação do real.
  Neste País, local herdeiro mais dos que não partiram, dos que pretenderam no mar e nas nuvens redescobrir o horizonte em experiências novas, temos ainda de facto aqui, quem queira connosco reflectir. Com inteligência e sabedoria, com frontalidade e coragem, com independência e justiça pelas coordenadas do ser humano. Oferece-nos a nós e ao inexistente jornalismo português, cheio de spin doctors, o deslumbramento que se faz pensamento quando os olhos observam o real.
  Neste País, local onde ainda se pode sonhar (acreditemos nisso) por «movimentos de esperança e verdade, buscar na linha fria do horizonte a árvore,a praia, a flor, a ave, a fonte, os beijos merecidos da verdade», nas palavras únicas de Pessoa, temos ainda quem queira connosco pensar nos nossos horizontes. De facto todas as noites a sua simpatia e perspicácia pelos contornos do que revelamos e pela descoberta do que não temos para assumirmos o que somos são elementos da sua linguagem. Porque de facto, isto, esta verdade possível que nos querem impor, estes gestos cretinos ligados à moral pública, esta ignorância com que se pretende revestir o presente, este oportunismo económico de enriquecimento privado à custa do bem comum, este status quo que já não alimenta a credibilidade das instituições, não somos realmente nós. Somos, decerto, enquanto indivíduos bem melhores que isto.
  Só podemos assim agradecer a quem nos desperta desta amnésia. Agradecer-lhe ainda a sua determinação para a construção de uma consciência nacional, onde a verdade tenha alguma hipótese de ser revelada. E pela variedade de opiniões que nos oferece renovar este sangue velho que é neste momento este País a precisar de novas inspirações.
  Agradecer-lhe isso e os pedaços de História com que encerra o seu programa, na preocupação pedagógica de que vivemos, construímos, sonhamos na continuação de outros
Por isto, por aquilo que aqui não cabe e pelo sentido de revelação sempre difícil de transmitir, o nosso empenhado agradecimento. Obrigado Mário Crespo.


(1) Yeats, citado por Marguerite Yourcenar
Memórias de Adriano, Ulisseia

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