domingo, 29 de março de 2009

A Ganância



«o amor ao próximo é o maior prazer do ser humano.» (1)

Nesta original nave espacial que habitamos, o Planeta Terra, somos aparentemente no imenso universo, a única espécie a habitar esta poeira cósmica, de matéria e sonhos. Sem compreendermos os mecanismos do seu funcionamento, oscilamos entre um sentimento de abandono e de esperança neste cosmos que flutua no espaço.

Seriam pois nas relações humanas, nas mais diversas situações que a humanidade pode encontrar um sentido para a sua existência. Neste sentido valores como a amabilidade e a generosidade têm todo o sentido em estarem no centro das relações humanas. Não sendo o que acontece, que justificação e que preço para a sociedade humana?

Adam Philips e Barbara Taylor (2) defendem que o amor ao próximo é hoje «o nosso prazer proibido». Porque temos esta incapacidade de nos identificar com os outros, com as suas dificuldades, angústias, receios e sucessos? Tendo o Ocidente, dois mil anos de cristianismo, onde o amor ao próximo organizou o seu pensamento para tantos milhões, porque assistimos à valorização do individual, como única forma de sobreviver num mundo dominado pelo egocentrismo, onde tantos parecem estar em guerra por qualquer coisa que não entendem.

Afinal, demonstrar generosidade publicamente ainda é considerado um acto de inferioridade psicológica, ou de sentimentalismo de valor duvidoso. A amabilidade não é ainda vista pela sociedade como algo natural. Com graves limitações à afectividade, a sociedade contemporânea elegeu o individualismo e a sua independência singular como critério de sucesso. A solidariedade como factor de existência humana é ainda visto como uma fraqueza. Quantos projectos de grandes empresas estão ligados a causas de igualdade social?

Nos últimos anos, as ideias de um liberalismo feroz tem remetido a afectividade natural do homem à esfera do privado. No espaço público os valores dominantes são outros: competição, domínio da estatística, realidade virtual onde se compete sem valores espirituais, onde a função vale mais que a pessoa. Os últimos quatro anos do governo socialista vincaram em Portugal esta opção. Muitos, mesmo os que já tinham uma vida de conforto material de elevadíssimo nível, quiseram mais e mais depressa. Enriquecer sempre. A ganância desmesurada instalou-se no sistema financeiro. O Estado desprovido de justiça incentiva pelas suas atitudes e opções esta desumanização do espaço público. A insistência em desvalorizar a efectiva segurança social das pessoas, num País que teve disso uma experiência histórica limitada e reduzida apenas agrava a redistribuição de um mal estar social evidente.

O domínio da «cultura de empresa» a todos os espaços, do infantário à fábrica, da justiça ao apoio social, da cultura à língua, impõe uma sociedade de infelicidade que se materializa no excesso de trabalho, na ansiedade, na ausência de espiritualidade, na concretização de autómatos desprovidos de pensamento e de serenidade. Esta filosofia de Liberalismo já deu mostras no campo económico de como as sociedades podem ser destruídas pela ausência de regras. No campo social é a degradação veloz da suas instituições básicas: o cidadão, a família, a escola, a empresa.

A sociedade humana tem de ser mais que um conjunto de pessoas a lutarem entre vencidos e vencedores, onde todos perdem a dignidade e alguns ganham não se sabe o quê. O sistema político tem a obrigação de oferecer mais que um disfarçado controlo democrático, onde o poder e os que lá moram tudo podem, sem respeito pela sociedade que representam. Um País tem de ter representantes que saibam dar esperança às pessoas, que as façam acreditar que a mudança se faz com base num exemplo, o seu próprio. Um governo que não sabe ter pessoas generosas no seu carácter, não conseguirá propor nada de substantivo para o País Real.

E certamente não será copiando exemplos irreflectidos, sem consistência histórica que se renovará a esperança. Já Pessoa tinha dito a quem o soube ouvir que este País só poderá ser qualquer coisa no campo civilizacional do seu tempo, quando for, quando o deixarem ser ele próprio.
E isso só é possível com uma ideia de cultura, fazendo da governação uma gestão do acto público para as necessidades de todos e não apenas para a salvação dos tesouros pessoais de uma minoria. Propor aos cidadãos um projecto de sociedade que o torne mais do que a «quase uma Democracia que insiste em ser, dominado pela paixão proclamada pelos políticos provincianos» (3) que nos tem obliterado a qualidade na educação, na justiça, na nossa existência quotidiana.
E sobretudo saber aprender para que saibam propor qualquer ideia nobre e com futuro.

(1) Marco Aurélio, imperador Romano, in Courrier Internacional, Março de 2009
(2) Adams Philips, Barbara Taylor, The Guardian, 3/1/09
(3) António Barreto, Jornal Público, 29/03/2009
(Imagem - Ariane de Maria Helena Vieira da Silva, in blog-city.com)

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