domingo, 25 de janeiro de 2009

Leitura, Memória e Cidadania



«Nada tem efeitos reais, transformadores, inovadores, que tragam intensidade à nossa vida colectiva. (...) O direito à cultura e ao conhecimento ainda não chegou ao sentimento da população portuguesa» (1)

Frequentemente ouvimos que em Portugal se lê pouco, compram-se poucos livros. Argumenta-se que o seu preço, a sua difusão limita a sua aquisição. Premissas pouco válidas nos tempos presentes.
Os livros requerem um público interessado, formado na curiosidade e no desejo de novos horizontes, de novos planos para a sua existência diária. Não existe uma comunidade de leitores, no sentido que a ofereçam como um produto cultural transformador a cada um no seu plano individual.
Dirão muitos que temos a Internet. Acedemos assim à informação de um modo global, empacotado, sem esforço e personalização. Começamos a viver num tempo social em que todas as nossas qualidades, pelo menos as que parecem evidentes para o nosso controle de qualidade se reduzem aos algoritmos que nas diferentes máquinas soubermos realizar.
As organizações sociais fundadas há milénios para a transmissão de conhecimentos, para a partilha e construção de saberes relacionais estão hoje dominadas por um tecnicismo sem memória.
Há cinquenta anos em Portugal, como na Europa, quem sabia ler e escrever conhecia os planos do espaço e do tempo. Sabia orientar-se, tinha um passado, construía qualquer futuro na percepção e na memória do que tinha recebido. O desprezo actual pela memória é a concretização de uma ignorância pelo passado, no fundo pela própria História e onde se visualizam as saudades por um futuro desconhecido e apressado.

Há três dias, Portugal e Espanha encontraram-se em mais uma cimeira ibérica, através dos seus primeiros-ministros em Zamora. Alguém compreendeu pelas actividades ali desenvolvidas que estavam em Zamora? Num local onde os dois países afirmaram as suas particularidades nada na cerimónia revelou o local da cerimónia. Ocorrer em Zamora, nas Berlengas ou nas Desertas revela como se cuida da memória de um território
.
A História que no nosso caso nos poderia salvar deste futuro de confronto exageradamente económico é esquecida. A História que nos resguardaria das cidades de plástico, onde as paisagens e as memórias colectivas se perdem é assim ignorada e com ela o futuro participado e consciente de novas gerações. Sem a particularidade da sua cultura a Portugal só lhe esta existir, sem participar no movimento de civilização que abrange outras latitudes.

A questão de falta de leitores encontra-se no mesmo horizonte cultural de um país que não arranja uns euros para salvaguardar o património literário de Fernando Pessoa, ou que dispensa uma pessoa do tamanho de Maria João Pires, ou se recusa a receber uma individualidade da grandeza do Dalai Lama.
Quando a inexistência do ser é tão marcante, pode existir uma comunidade de ideias abertas em discussão capaz de permitir a construção individual do futuro? Pode a Democracia sobreviver sem o uso esclarecedor de uma Razão que aceita a discussão participada e consequente das ideias? Pode uma Cultura ultrapassar o simples existir e desenvolver-se e recriar-se, sem uma alargada difusão das letras e por isso do livro?

O deslumbramento tecnológico a que assistimos, criador de um conhecimento instrumental é insuficiente quando as ideias e o valor delas se perdem nos circuitos de uma sociedade que não se sabe pensar, porque só aparentemente é informada.

(1) José Gil, Portugal, O Medo de Existir
Imagem acima retirada do Filme, Into the Wild

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