sábado, 28 de fevereiro de 2009

O Meu Pé de Laranja Lima



A escola. A flor. A flor. A escola ...
- Godofredo me contou uma coisa muito feia de você, Zezé. É verdade?
Balancei a cabeça afirmativamente.
- Da flor? É, sim, senhora.
- Como é que você faz?
- Levanto mais cedo e passo no jardim da casa do Serginho. Quando o portão está só encostado, eu entro depressa e roubo uma flor. Mas lá tem tanta que nem faz falta.
- Sim. Mas isso não é direito. Você não deve fazer mais isso. Isso não é um roubo, mas já é um «furtinho».
- Não é não, D. Cecília. O mundo não é de Deus? Tudo que tem no mundo não é de Deus? Então as flores são de Deus também ...
Ela ficou espantada com a minha lógica.
- Só assim eu podia, professora. Lá em casa não tem jardim. Flor custa dinheiro ... E eu não queria que a mesa da senhora ficasse sempre de copo vazio.
Ela engoliu em seco. (...)
- Você vai prometer uma coisa, porque você tem um coração maravilhoso, Zezé.
- Eu prometo, mas não quero enganar a senhora. Eu não tenho um coração maravilhoso. A senhora diz isso porque não me conhece em casa. (...)
- De agora em diante não quero que você me traga mais flores. Só se você ganhar alguma. Você promete?
- Prometo, sim senhora. E o copo? Vai ficar sempre vazio?
- Nunca esse copo vai ficar vazio. Quando eu olhar para ele vou sempre enxergar a flor mais linda do mundo. E vou pensar: quem me deu essa flor foi o meu melhor aluno. Está bem?
Agora ela ria. Soltou as minhas mãos e falou com doçura.
- Agora pode ir, coração de ouro ...


José Mauro de Vasconcelos, O Meu Pé de Laranja Lima,
(páginas 76- 78), Edições Melhoramentos, 2oª edição

Os Campos da Infância I



Os que passaram a infância, também pelos livros, em sótãos de sonhos, onde nos refugiámos do que não compreendíamos, em aventuras e fábulas que nos conduziam persistentemente a outros mundos, temo-los guardados, esses sabores de uma forma ainda muito viva, como aqueles que fumegando subiam escada acima, desde a cozinha. Nesse tempo de imaginação e aventura, ficaram para sempre alguns marcos desse caminho, ao tempo, tão seguro.
Um desses marcos do imaginário foi escrito por alguém que neste mês, se comemora o seu nascimento e obra, José Mauro de Vasconcelos. De todos os seus livros, existe um, de lembrança única, em que a infância se descobre com dificuldades, mas também com uma ternura únicas. Falamos, naturalmente de O Meu Pé de Laranja Lima. Não sendo um livro pioneiro na revelação das dificuldades em que muitas crianças crescem, do desconforto da pobreza, talvez o seja como resposta ao desencontro com a felicidade. Se Charles Dickens ou Mark Twain já tinham centrado como heróis da narrativa a criança, José Mauro de Vasconcelos acrescentou-lhe pelo imaginário, pela ternura, pela generosidade a resposta para um significado de vida mais humano.
O Meu Pé de Laranja Lima é a descrição de uma organização social e familiar, até cultural, mas é sobretudo um modo encantado sobre vidas que parecem ter tão pouco encanto. Afinal, e mais uma vez, todo o indivíduo tem sempre no seu caminho um sonho que pode ser partilhado ou compreendido por alguém, pássaro, flor ou nuvem.

Media e História


Há uma ou duas semanas a Sic apresentou uma mini-série chamada A Vida Privada de Salazar. O projecto apresentava um conjunto de relacionamentos amorosos que Salazar teve na sua vida privada.
Nada no projecto nos faz compreender as causas do comportamento de Salazar. A sucessão dos seus affairs aparecem sem se perceber a importância que cada uma daquelas mulheres realmente tiveram na sua vida pessoal. Mesmo limitando a este domínio a vida de Salazar, a fraqueza é assustadora. A narrativa organiza-se à volta da jornalista francesa, Christine Garnier, que tendo desempenhado um especial encanto em Salazar, não conseguiu chegar tão perto do coração do homem que governava autocraticamente o País, como Carolina Asseca.
Esta e Salazar estiveram noivos, mas não casaram. Não poderiam casar. O casamento teria sido a integração do homem simples, austero na aristocracia da época. Salazar recuou, evidentemente. Recuou pelo medo, pelo peso da aristocracia a que pertencia a família de Carolina, sobretudo pela lógica de manter um Poder Absoluto essencial na mitologia do regime em que o Presidente do Conselho de facto estava há muito casado, com o País. E este é o problema essencial que a série, A Vida Privada de Salazar, não soube compreender.
Não se pode analisar uma figura tão complexa como Salazar com esta separação do homem com o Poder e o modo particular como o organizou.
O Projecto em questão não foi capaz de explicar como é que um homem católico, austero, com uma vida profundamente solitária, manteve um conjunto de casos amorosos que nem os portugueses, nem os mais empenhados no combate político souberam em tempo real.
O Projecto não consegue compreender consistentemente porque Salazar nunca se decidiu pelo casamento e como um ex-seminarista conciliava a sua vida íntima com o pensamento católico. Aqui se concretizava mais uma faceta da sua relação com a Igreja, longe do simplismo com que muitas vezes é apresentado.
Se tivesse chegado a este patamar a série teria feito um serviço público de grande valor, esclareceria os portugueses daquilo que marcou a arquitectura do Salazarismo. As suas máscaras, aquilo que usou para representar a realidade, para reduzir o real ao manto de silêncio, de invisibilidade e que conduziu o País para o que conhecemos. Um Portugal fora de qualquer ideia nova, infantil na alma, imóvel no corpo, incapaz de viver com o resto do Mundo o seu próprio tempo.
Esta falta de inscrição na história, esta ausência de debate de ideias e de informação esclarecida de que a mini-série dá provas é ainda, na sombra, uma das heranças de Salazar. Herança ainda muito presente num País ainda pouco rigoroso, comodista com o seu passado e facilitista nas suas opções de cidadania.
A série nunca vislumbrou a dupla encenação de um homem entre os espaços públicos e privados, ente ele, o herói messiânico e o espectáculo, entre a humildade e o orgulho, entre o engenho e a mediocridade.
Não é pois de espantar que em Portugal seja tão difícil fortificar uma consciência colectiva que compreenda de que modo pode criticamente construir o presente. Nada mais falso do que apresentar Salazar como uma figura simples, com pouca densidade. Mesmo quando o mal parece conduzir os Povos é presiso saber reconhecer as qualidades dos que apostaram em limitar o futuro. Apenas de uma forma pedagógica se pode preparar o futuro.
Existem em Portual muitos historiadores capazes de explicitar estas ideias. Já vão existindo livros que igualmente exploram esta temática. Recomenda-se a sua leitura a quem este tema interessar, em especial, Felícia Cabrita, Os Amores de Salazar, da Esfera dos Livros e Máscaras de Salazar de Fernando Dacosta, da Casa das Letras. O futuro agradecerá vivamente uma melhor compreensão daquilo que nos forma como povo.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

As Palavras



«Tenho a ternura simples mas aos nós. como as tuas unhas são mais compridas do que as minhas desata-me isto tudo. Mãos impregnadas de nuvens, ossos suaves como o leite, vagarosos, certeiros. É bom nascer no instante em que o ar é mais frio do que a água. (...) no terceiro minuto a partir do crepúsculo, não no segundo, nem no quarto, a inventar uma flor.» (1)

«Fazer de cada página um barquinho de papel e deixá-lo navegar pelas sarjetas na esperança de que outra mão as receba» é a nossa citação de entrada deste blogue e são palavras da sua autoria. Procuramos escrever sobre alguém de quem gostamos. Muito. Procuramos apresentar alguém que nos comove e que sabe utilizar as palavras, com especial sabedoria.
Ninguém escreve como ele. Poucos pensam a literatura como oportunidades de crescimento, onde nos podemos ver, escritor e leitor com o espelhos do que somos. Raros respiram nas palavras a voz dos olhos e a limpidez descoberta do desconhecido. Olhá-lo com os seus contornos esbranquiçados, o jogo de mãos quando nos lembra os pedaços com que construímos a realidade, o olhar pensativo e o sorriso doce de quem sugere interrogações da nossa existência, são outras formas de aprender a respirar com a vida.
As suas palavras são quase tudo. Apresentou-nos a inteligência, mas também a humildade de criança, sempre a questionar o que somos. Deu-nos nas palavras a inspiração de momentos sublimes, onde nos revelou como precisamos do sorriso e de chegar à pertença de atmosferas tão etéreas como a nuvem, o pomar e os pássaros. Falamos de António Lobo Antunes, um arqueólogo da vida, onde se misturam as perguntas e os sonhos, como realidade única da nossa dimensão humana.
Tratar aqui dessa revelação, neste curto beco de palavras é uma tarefa de alcance miscroscópico e sem qualquer sucesso. É mais, é só, a apresentação de um amor, mais do que a sua explicação.
Os livros de António Lobo Antunes não se explicam. Eles ambicionam chegar à respiração individual de cada um de nós, documentando o silêncio, estimulando a abertura das nossas portas, dando-nos o material «a pedra de que somos feitos».
Não há nas suas palavras narrativas com desejos de idealismos impossíveis, nem panfletos sociais, apenas o possível que nos habita. Nas suas palavras discute-se aquilo que nos organiza, a morte, e por isso a vida, e assim o que a dignifica, o carácter, a consciência, a inteligência, mas também a bondade e a alegria. Os seus livros são só companheiros, oráculos de um material, a vida, onde se tenta ultrapassar a solidão e marcar renovados encontros onde nos relembramos e amamos.
Encontros de voz e doçura onde em cada acordar ansiamos receber novos vestígios da manhã que nos liberte do cansaço do tempo. Em Babilónia, claro. Aqui, onde com os olhos no mar reconstruimos o ser de modo a sermos inteiramente humanos, com o espanto, a incerteza e o silêncio.
Em Babilónia onde nos confrontamos, onde jardinamos a alma com as nossas contradições e onde percebemos que só podemos ser material de uma «dignidade inteira e completa». Seres universalmente finitos, onde nos compreendemos feitos de fraqueza e genialidade, «de ranho e poeira cósmica» e onde em cada página ficará como um longo caminho onde aspirámos à vida em todas as suas formas.
E afinal seremos só e apenas principiantes desse tempo inicial, límpido, mágico de deslumbramento. Poderá a Literatura ser «a infância finalmente reencontrada» (2), num tempo contínuo de conquista e esperança?

(1) António Lobo Antunes, Segundo Livro de Crónicas, Página 81
(2) Georges Bataille, citado por Fernando Savater, A Infância Recuperada

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O Comboio Amarelo (Texto Colectivo - 6ºB)


Certo dia, percebi que o pânico era um comboio amarelo… E, por azar, eu estava dentro dele, sem saída e tinha de ser forte para enfrentar o pânico.
E se eu me apresentasse… Sou um jovem da Transilvânia, tenho treze anos e chamo-me Edmundo. Sou alto e dizem que sou muito teimoso (o que não concordo); sou e gosto de ser muito aventureiro e, foi por isso que me vi naquela situação…
Tudo aconteceu quando fui para o 2º ciclo e vi uma certa rapariga, a mais gira da escola. Ela ia a caminho de casa e eu peguei nos meus patins para a seguir e impressionar. Foi aí que percebeu que a seguia e parou. Quando o fez, apareceu repentinamente uma pessoa de bicicleta, ela conseguiu desviar-se e caiu. Era o momento de eu ser herói! Fui de imediato acudi-la. Levei-a para o passeio, verificando se ela estava bem, e ela, curiosa, perguntou:
- Por que fizeste isto? Por que me seguiste?
Envergonhado, fugi rapidamente, porque não sabia o que lhe dizer. Apressei-me a apanhar o comboio (o que fazia sempre), mas de súbito apercebi-me que com a pressa entrara no comboio errado e não sabia onde este me ia levar. Senti-me um autêntico idiota. Tentei que parassem o comboio, mas não foi possível, tentei abrir a porta à força, mas não consegui. Naquele momento, tudo me pareceu perdido e entrei em pânico. E agora já sabem o porquê do comboio amarelo, é que essa era a sua cor e senti o medo tão rapidamente, quão rápido me senti perdido e quão rápido se movimenta nos carris.
Foi, então, que encontrei um adulto que me disse qual era o destino do comboio e o que ouvi deixou-me curioso e apavorado. Quando olhei para o maquinista reparei que se parecia com um daqueles vampiros das lendas que o meu avô contava. Afinal, estamos na antiga Transilvânia... Uma voz de fundo indicava que a próxima paragem era o Castelo do Conde Drácula, donde só os mais corajosos conseguiam sair vivos. Conta a lenda que o Conde Drácula escondia uma princesa e temia que a encontrassem. Ao lembrar-me disso, senti novamente vontade de ser herói… Por que não salvar a princesa? Foi, então que decidi sair naquela paragem e entrar no Castelo.
Quando entrei, deparei-me com um corredor enorme, que comecei a percorrer, até que pisei um azulejo que me abriu uma passagem secreta. Caí num alçapão e qual não foi o meu espanto, quando me vi perante a rapariga que tinha ajudado na rua e que me tinha transportado para aquele castelo. Seria ela a princesa? Sem hesitar procurei salvá-la daquele lugar assustador, mas apareceu um obstáculo: o próprio Conde Drácula. Tive que relembrar as histórias do meu avô e pensar no que poderia fazer… Lembrei-me que os vampiros tinham medo da luz solar, mas naquele castelo não havia um único vestígio de tal. Foi aí que ao ver um pedaço de madeira partida, me lembrei das estacas no coração e percebi que com aquilo poderia matar o Conde Drácula.
Enchi-me de coragem e ataquei-o… Um ruído estranho começou a invadir os meus ouvidos… Que seria? Mais uma arma? É claro que não… Apenas estava na hora de acordar e o meu despertador não se calava… Afinal, tudo não tinha passado de um sonho, ou pesadelo, mas o pânico, para mim, continuará sempre a ser um comboio amarelo.
(Imagem, in bilhetepostal.blogs.sapo.pt)

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Literatura, Romantismo e Literacias



«Espante-me (...) preferimos escolher, com a ementa à vista, o prato a que nos habituámos, o que explica o motivo de o medíocre maravilhar os académicos e tem reduzido Portugal a uma paróquia de província onde os relógios pararam num tempo que não existe mais.» (1)

A palavra, matéria-prima da escrita e da leitura, portanto do homem, tem sido aqui apresentada e divulgada como expressão de uma «conversação», de um conjunto educativo. Uma Biblioteca, centro de organização da informação só pode desenvolver as literacias, quando a própria Literatura é um campo activo do trabalho nos programas escolares.
O desprezo a que assistimos pelos autores clássicos, sintoma de uma doença que se refugia no presente com a garantia que assim nos livraremos desse profundo incómodo, o acto de pensar e reflectir. A rota deste desastre cimentado no eduquês e na sua psicologia romântica já leva algumas décadas e os resultados são evidentes. A ausência de solidariedade, o marketing ideológico e a cegueira incurável em modas cuja verdade científica nunca foi demonstrada tem-nos conduzido a este sucesso virtual carente de fundamentos e nefasto para a própria cidadania. Sucesso virtual que é a marca distintiva de uma organização política e social incapaz de inscrever a realidade na acção quotidiana. Nada de espantar.
Já se estranha que pessoas, que dirigem instituições do ensino superior, e com formação em Estudos Literários, responsáveis pelos conteúdos dos novos programas de língua portuguesa não saibam reconhecer o que tem sido o desastre educativo das últimas três décadas nas suas componentes de organização.
A desvalorização do acto de aprender, o desprezo pelo conhecimento, a negligência pela criação de categorias do pensamento é substituído por esta afirmação de luxo,
«Para termos alunos que gostem de ler são necessários professores que gostem de ler, que entendam a literatura». (2) Confirma-se que também há aqui uma Lei de Murphy, arrasadora de tudo, as incapacidades literárias e de discurso do professores portugueses. Quem fala assim ao coração é o Senhor Professor Carlos Reis, reitor da Universidade Aberta. Não é nesse templo do conhecimento que tirar um curso superior se assemelha a uma leitura sinuosa e solitária ao longo de um ano? Esse tipo de leitura permite compreender o discurso, no sentido em que ele faz parte de um conjunto cultural? É certamente a mesma objectividade com que se é historiador, sem nunca ter visto um utensílio em sílex ou metido a cabeça num campo arqueológico. A formação contínua em Portugal, tem-se apenas limitado a existir, tal como o País, sem um ideia que o sustente.
A escola portuguesa necessita apenas de simplicidade. Ter livros cientificamente correctos, abandonar essa ideia «iluminada» de que aos pobres Mozart e a Física Quântica são desperdícios e promover formativamente em cada área os conhecimentos dos professores.
É pena que o senhor reitor não nos tenha explicado como resolveria a equação erro/sucesso no domínio da língua e como é que os meios tecnológicos se relacionam para a aquisição das componentes da cultura portuguesa. Infelizmente o senhor reitor que lamenta os professores não conhecerem a literatura, deveria propor nos programas uma atitude de a valorizar não só como pensamento, mas essencialmente como produto cultural de uma sociedade. E se vale a pena os alunos saberem escrever, porque continua o funcionamento da língua com tratamento marginal? Há coisas que nunca devem mudar. É um conforto. Que avaliação se fez da anterior reforma dos programas? Nunca se conhece o objecto e o uso dessa avaliação, de uma forma rigorosa. Continuamos no caminho de uma escola medíocre. A democracia fica sempre bem, mesmo que a razão disciplinada não seja o suporte das acções dos que nos governam.
Poderia o nosso estado literário, científico, histórico, cultural e de cidadania ser diferente?

(1) António Lobo Antunes, «Assobiar no Escuro», in Segundo Livro de Crónicas, pág.131
(2) Jornal Público, entrevista publicada em 09/02/2009
(Imagem - O Douro na sua foz, junto ao Castelo do Queijo)

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A Leitura e a Escrita




«Ler para quê? E escrever, para quê? Depois de ler cem mil, dez mil livros durante a vida, que se leu? Nada. (...) Ler não serve para nada, é um vício, um puro prazer, uma felicidade». (1)

Desde que entrámos na porta da História, se há algo que caracteriza a aventura humana são as palavras. Suporte desse material onde a linguagem organiza o conhecimento, a dúvida, a emoção e o sonho, os livros são a nossa memória. Conseguirá essa memória da palavra apresentar satisfatoriamente os sonhos do quotidiano?
Afinal que papel desempenham no quotidiano vivido de cada um a leitura e a escrita? Não serão aquelas signos materiais afastados das nossas necessidades pessoais? Na sociedade da imagem, que valor podem ter o livro e a leitura com a inevitável falta de tempo, onde a contemplação do horizonte parece apenas destinado aos que se situam à margem do sucesso virtual. A acrescentar a estas dificuldades, uma mais. Que livros escolher e quais deixar de lado, quais seleccionar, aqueles que nos «permitiriam melhor relacionar com o Universo», nas palavras de Gabriel Zaid. Como contornar este labirinto?
O livro nasceu como produto cultural no momento e no tempo em que a difusão de novas ideias permitia organizar outros modelos sociais. O livro trouxe-nos da História esses momentos de emancipação individual. O livro e a sua difusão estão ligados à criação des
sa liberdade onde cada um pode ouvir a sua respiração e onde estão dispensados os sacerdotes do templo para que fundamentem o significado das acções humanas. O encontro do homem com o livro é o resultado de uma acção que pretende afinal estabelecer uma «conversação» que faça da vida um caminho com significados. Afastados dessa liberdade criativa que a cultura greco-romana ou o renascimento afirmaram tão alto, vivemos num tempo absurdo em que da pior maneira verificámos que a nossa tecnologia e doutrinas económicas não souberam salvaguardar a dignidade individual. Tantos milhões de anos de História para concretizarmos uma sociedade com fundamentos tão sólidos como os de ancestrais civilizações. Neste País onde o estudo do Grego, do Latim, da Filosofia, da Arqueologia são um passatempo para lunáticos, dispensável na formação da maioria, pode-se aspirar à organização do pensamento. Um País onde sai mais barato fazer exercícios para tratar do corpo do que alimentar o espírito, onde se deslocam objectos de memória sem conhecimento, para depois se concluir que havia ali qualquer coisa interessante. Que País deixaria uma Biblioteca como a Geral da Universidade de Coimbra no risco de perder documentos únicos? Aspirar a ter ideias sem leitura, é como querer ter um futuro sem memória. O livro parece assim essencial na formação da Humanidade. Evidentemente.
Todavia o livro encerra em si e no leitor , em nós imensas fragilidades.

Poderíamos comparar o livro à vindima da uva e ao seu produ
to, o generoso vinho. Quem o sabe apreciar não o dispensa, quem não o conhece vive afastado de uma beleza sem tempo. É verdade que o livro não regista a vida, a construção do quotidiano. Ele tal como a vindima é o produto, a colheita de um esforça humano, de uma inspiração da memória. É igualmente verdade que não poderemos ler todos os livros, nem sequer os que consideraríamos mais interessantes. E é sobretudo verdade que a natureza humana não está pensada para ser dominada por uma língua universal, numa aldeia global onde se determina tudo a todos e do mesmo modo.
A actual crise económica e social revela como mal preparados estão os agentes do poder político. Tantos previram o fim do livro e nenhum soube compreender o seu próprio tempo, nem os movimentos que o organizam. Tantos afirmaram o fim da História a caminho de uma felicidade garantida pelos meios tecnlógicos, pela clarividência dos princípios e afinal aqui estamos tão sós de sonhos, ainda à espera do «dia inicial e limpo» , como tão bem o disse Sophia.
Mais uma vez se comprovou que a Humanidade dá-se melhor com uma Torre de Babel onde cada aldeia é um Universo, um centro de uma ideia de vida do que na vas
ta globalização. O homem vive na sua natureza de uma universalidade limitada. Estas fragilidades do homem, do leitor e da vida são oportunidades. Podem ser as nossas oportunidades.
Elas permitem-nos compreender que a vida humana é feita de momentos. É o livro que nos dá essa revelação, essa relatividade de que todos somos feitos.
«O livro não ofe
rece nenhuma explicação acerca do destino do homem, mas tece uma apertada rede de convivências entre a vida e ele», nas palavras de Daniel Pennac, expressam bem o motivo de o homem pela sua mortalidade aspirar aos sonhos, às emoções e é esse é o fundamento da escrita.
Esperamos assim da leitura, o que Gabriel Zaid no seu pequeno, mas íntimo livro consegue estabelecer connosco, uma «conversação». E não é isso a vida, entre a alegria e o absurdo, uma tentativa de construir um diálogo? O homem e o livro aproximam-se assim, «na definição de constelações que promovam a conversação para o bem comum», ainda nas palavras de Gabriel Zaid.
As Bibliotecas são neste contexto apenas um dos instrumentos para organizar, promover e difundir esse diálogo comunicativo essencial ao Homem.

(1) - Gabriel Zaid, Livros de mais, Ler e publicar na era da abundância, páginas 49 e 116)

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Amizade - Pedro Fialho (9ºA)


Verdade no amor ou apenas inconstante
Pergunta interessante com resposta embaraçante
Será crença ou apenas coincidência?
Algo para fazer
Algo para ver
Algo para ter
Algo para ser
Algo para amar
Algo para zelar
Algo para manter
Algo para durar
Algo para persistir
Algo fictício
Algo original
Algo para viver
Ou afinal será algo para temer?


(Imagem - entre as camélias em Nevogilde - cidade do Porto)

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

História e Cultura - Compreender o Inexplicável II


«As guerras podem ser causadas por indivíduos fracos ou cretinos do ponto de vista moral, mas são combatidas e suportadas por gente muito decente» (1)

Se a cultura é a acumulação de ideias e valores que organizam uma Nação, os padrões civilizacionais de um Povo, a da Alemanha foi na História Contemporânea das mais intensas da Europa. No país de Gothe, Einstein, Beethoven, de Kurt Weill o património acumulado nas artes, no pensamento, era simbólico para a cultura europeia. Neste sentido como explicamos essa doença maligna em que o espírito humano se quebrou perante os mais nefastos fantasmas, o Nazismo.
Aquele foi o regime onde se assistiu à maior regressão da história humana. O Nazismo foi a confirmação de uma sociedade sem princípios racionais, assente nos mais nefastos instintos, o culto irracional pelo ódio e pela morte. Foi a consagração de uma religião incompreensível da loucura, onde a perda da vida uma etapa banal na conquista do poder e da glória.
E no entanto, foi um regime com assinaláveis vagas de popularidade. Antes dos fantasmas emergirem da noite para a mais clara luz, o Fuhrer chegou a ser considerado janota e vedeta. De aparência em aparência o regime conquistou adeptos. A verdade difícil, cruel, trágica é que milhões de alemães acreditaram na causa nazi e muitos, demasiados jovens morreram pelo seu Fuhrer. Houve opositores ao regime nazi? Sim, mas proporcionalmente foram poucos. Como explicar este dilema?
Todas as respostas serão insuficientes, ingratas, insatisfatórias, incompletas de sentido para explicar a emergência do Mal absoluto. As condições do tratado de Versalhes, a crise económica e social, o desemprego, a inflação, a crise monetária, a derrota alemã em 1918, a psicologia teutónica tudo é pouco para justificar esta contradição.
É esta enigmática e cruel realidade que o Ciclo de Cinema do CCB pretende reflectir. É uma oprtunidade para analisar a genialidade do mal. Custa admiti-lo, mas o Mal também pode ser servido por génios. A História como disciplina ignora muitas vezes o papel do indivíduo, integrando-o em grandes movimentos. Este é um caso em que um indivíduo servido por ideologia irreconhecível, uma máquina de propaganda, condições históricas particulares e uma psicolgia e filosofias únicas soube criar a maldade extrema na sociedade humana.
É fundamental perceber isto. É decisivo compreender como a cultura e a história se relacionam e como o discurso da cultura muitas vezes já o é ao serviço de ideologias transformando-se apenas em propaganda. Aqui se compreende como a História como disciplina oferece possibilidades formativas para que a sociedade evolua em todos os sentidos, naquilo que é a dignidade humana.
A História não se repete nas formas, mas pode voltar noutras condições oferecer uma igual falta de dignidade para a Humanidade. Só discutindo o mal se pode estar atento e prepa
rado. É essa uma das funções do Ciclo do CCB que aqui relembramos pela sua importância.

(1) Testemunho de pilloto da Luftwaffe,
citado em A Vida Perdida de Eva Braun

História e Cultura - Compreender o Inexplicável I


O Centro Cultural de Belém, em Lisboa, organiza esta semana um ciclo de cinema com o Tema Nazismo e Cultura: Confrontações. O Ciclo iniciou-se dia nove com o Filme de Alain Resnais, A Noite e o Nevoeiro onde as imagens de uma câmara de filmar projectam o fundo trágico do local onde a humanidade perdeu a sua dignidade, os campos de extermínio nazis. O Ciclo prossegue hoje com o fime o Ovo da Serpente de Ingmar Bergman, onde se procura visualizar a origem desse mal e o modo como os fantasmas emergiram da noite para a luz. O ciclo prossegue no dia onze com a projecção do filme A Saudade de Veronika Voss de Rainer Werner Fassbinder onde se apresentam as memórias do nazismo. No dia treze é apresentado o filme A Vida Maravilhosa e Horrível de Leni Riefenstahl. Trata-se de um documento muito interessante para compreender como o cinema e a arte podem estar ao serviço da propaganda que condicionou milhões nas suas vontades e opções de vida. Finalmente no dia catorze, ainda de Leni Riefenstahl o filme Triunfo da Vontade, onde se filma todo o aparato de condução das massas nos comícios do partido Nazi em Nuremberga. Apresar de trágico, é um filme que nos mostra como o cinema pode criar líderes e influenciar multidões e como ele pode funcionar como documento da História e criador de ideologias.
No dia catorze António Mega Ferreira encerrará um conjunto de conferências onde se analisou de que modo os intelectuais e a cultura se relacionaram com esta mal absoluto que foi o nazismo. Para mais informações, ou para ver sinpses dos filmes e respectivos trailers clica aqui.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Gino, o Herói - João Carvalho/ Ribeiro Couto - 5ºB


Há muito muito tempo atrás, Gino era o primeiro da família a acordar. Os seus pais ainda dormiam ao fundo da gruta, tapados com uma pele muito quente, que receberam de herança de um caçador que morreu num combate. Parece que ele nem tinha frio. Bastava uma pequena pele que mal lhe tapava a barriga. Passada uma hora, lá vinha o Gino sorridente com os frutos mais frescos da região. Todos o invejavam pela sua valentia e prontidão.
O pai de Gino levantava-se, jáo Sol ia bem alto, altura em que sua esposa lhe dizia: - Ó Ginão, homem de Deus, vai buscar o naco do veado, que eu vou fazendo as brasas, enquanto houver lenha,...
Um pouco contrariado, lá ia o pai arrastando os pés, que mal podiam com ele. A mãe às vezes agradecia por o filho se parecer com o pai, apenas no rosto.
Gino começava a olhar o assado com um grande apetite. Comia até o pai lhe dizer: - Ó rapaz, amanhã também é dia!...
Gino não dava muita importância à conversa, pois o sustento, era com ele... Mal mastigava o último pedaço, Gino subia a montanha à procura de frutos silvestres e de raízes. De vez em quando, lá ia ele com a sua lança bem agarrada, para que não a pudesse perder. Ao fim de uma longa tarde, regressava com um gamo às costas. Era sempre uma festa!...

Em alturas de lua cheia, Gino ia também fazer as suas pinturas nas rochas da gruta. Toda a família olhava encantada para aquelas imagens de animais. Até pareciam verdadeiras!...
Gino era afinal um grande Herói dos tempos que já lá vão, há muitos milhões de anos.


Imagem da Gruta Lascaux, (10000 a 15000 a. C.) França

Humanitas, Felicitas, Libertas



«Eu cá gosto é de malhar na direita (...), com especial prazer nesses sujeitos (...). São das forças mais conservadoras e reaccionárias que eu conheci na minha vida (...) a esquerda dita plebeia ou chique» (Augusto Santos Silva, 6 de Fevereiro de 2009)

Um governante de Estado de um país democrático, na aurora do século XXI considera que é no acto de malhar que se constrói a cidade humana, onde o acto de governação representa os valores da sua dimensão.
Não tinha já o imperador Adriano como seu lema de governação da cidade romana, a Humanidade, a Felicidade e a Liberdade? Não era essa a responsabilidade na pólis grega do convívio entre os que discutiam as questões da cidade? Não se fundaram os sistemas políticos democráticos, desde o século XVII na convicção que a participação dos cidadãos implicava a discussão de ideias num espaço público? Não foi pela discussão de ideias que os Estados Unidos construíram um mundo novo, onde o poder da razão protegia os cidadãos, tal como o defendeu Thomas Jefferson. Não concretizou ele de forma evidente que o direito está dependente do uso disciplinado da razão? Não é este um tipo de discurso que não responsabiliza todos na participação do bem comum? Não é esta uma linguagem que não reconhece a diversidade e como tal, impedida de alcançar a unidade da sociedade humana, como o explicou Rabindranath Tagore?
Perguntarão, que relação tem isto a ver, com uma Biblioteca e a apresentação de livros, ideias e emoções? Tudo. Não é o livro e a experiência de viver em sociedade uma tentativa de conversação, com o outro, com a vida e com o Universo? Evidentemente. Deixamos as palavras de quem o exprimiu com «varandas de ternura» de uma forma sublime, Eugénio.

É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Projecto Editorial Leya


A editora Leya criou uma colecção de livros de bolso, reeditando títulos de obras de grande valor para a cultura portuguesa e universal. Esta colecção chamada BIS tem títulos tão variados como importantes que juntam autores diversos. Livros que procuram conjugar a portabilidade, a manuseabilidade, a qualidade de impressão e o preço.
São igualmente editados no sentido do leitor construir a sua biblioteca, na medida em que os títulos são actualizados três vezes ao ano. Este projecto tem ainda a particularidade de cada título publicado ser acompanhado no blogue da Leya por uma breve descrição da obra e do seu autor. Para quem esteja interessado em consultar os títulos editados e o projecto pode saber mais clicando aqui.

Divulgar Poesia

O museu da Poesia patrocina um projecto muito interessante de divulgação da poesia e dos poetas que usam a língua portuguesa como forma de expressão. Às quintas-feiras, nos rios Tejo e Douro, o veleiro Príncipe Perfeito transforma-se num barco poético ente as onze as catorze horas.
O projecto tem tido muito sucesso, desde que se iniciou em Novembro do passado ano de 2008.
Para saberes mais sobre esta iniciativa ou simplesmente para ouvir poesia consulta aqui.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

O menino que vivia nas comunidades recolectoras - Sara Apolinário (5ºB)


Há milhares de anos, as pessoas viviam em comunidades recolectoras. Numa dessas comunidades vivia um menino com a sua família, que gostava de brincar com os outros meninos da comunidade.
A comunidade onde o menino vivia era um grupo de mais ou menos trinta a quarenta pessoas, que partilhavam a comida, os abrigos e se defendiam uns aos outros de diferentes perigos...
Quando o pai do menino assim como todos os homens da comunidade iam à caça e à pesca, os meninos divertiam-se a subir as árvores que naquele tempo eram reduzidas devido ao clima. Os pais chegavam da caça e logo os meninos corriam para saber o que tinham trazido. Traziam o que a Natureza lhes dava, frutos silvestres (amoras, avelãs, bolotas,...), raízes tenras, mel, ovos de pássaros, moluscos marinhos, grãos,...
O menino gostava de ver o pai caçar e às vezes ia com ele. Via os animais enormes que o pai com ajuda de instrumentos feitos em pedra, osso ou madeira (lanças, machados, arpões, anzóis, flechas) juntamente com os outros homens da comunidade caçavam: mamutes, bisontes, ursos. Ao chegarem o menino contava a sua ida com os homens à caça e como tinha corrido. Nas suas descrições revelava coragem, mas também medo. Os meninos ajudavam a tirar as peles aos animais, pois com elas faziam o vestuário e as mantas para se aquecerem, junto aos locais onde dormiam, nas grutas e abrigos naturais.
Com a descoberta do fogo as noites dos meninos passaram a ser mais quentes. Brincavam a correr à volta das fogueiras e inventavam histórias engraçadas das quais se riam. Com o fogo as pessoas podiam cozinhar a carne, espantar os animais ferozes e iluminar as cavernas e grutas onde habitavam.
O menino com a ajuda dos pais gostava de gravar nas pedras, imagens da caça que tinha visto. Com os outros meninos tentavam imitar os desenhos feitos pelos mais velhos nas paredes das grutas. Os pais faziam tintas queimando terras ricas em ferro e esmagando argila no almofariz a que juntavam urina ou gordura animal. Conseguiam deste modo obter o castanho, os tons avermelhados e os violetas. Os meninos pintavam com os dedos ou então utilizavam pincéis de crina de cavalo. Com as pinturas acabavam por de distrair e acabar as brincadeiras nos lagos onde se lavavam.
De tempos em tempos as comunidades mudavam-se de sítio porque os alimentos ficavam reduzidos, assim como diminuía a caça e a pesca. Estas comunidades não tinham pois um local fixo onde viver permanentemente. De qualquer modo a mudança distraia todos os meninos que iam assim conhecer novas terras e com isto novos sítios para brincareme divertirem-se.