«Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo»
Alberto Caeiro, Guardador de Rebanhos
Pessoa, do latim, personna, significa personagens e eram as máscaras do teatro romano. De certo modo é por este contexto que se poderá explicitar a profundidade, fascínio e variedade da obra do poeta. Sendo o homem, ele e a sua circunstância, Fernando Pessoa reflecte o ambiente histórico em que viveu. A Crise do Ultimato Inglês, a decadência da monarquia, a incapacidade da República em alterar o estado de atraso profundo do País, começaram por influenciar o seu pensamento. Os acontecimentos trágicos à volta de Sidónio Pais, primeiro e depois a atmosfera bolorenta criada por Salazar fizeram-no compreender, à semelhança de Almada que o País estava muito longe de ser algo de digno.
A sua poesia criará uma multiplicidade de personagens, que no fundo são as diferentes perspectivas que cada um de nós poderá reivindicar neste movimento que procura ser a vida e o próprio universo. Pode a vida ser um caminho objectivo, onde se valoriza o ser, e onde a emoção e a razão não têm lugar, como o definiu Alberto Caeiro? Ou neste processo, nesta construção que é a vida de todos os dias, poderemos ou deveremos antes ser conduzidos pelo sentir de acordo com as transformações do Mundo moderno, contestando os valores culturais na tentativa de encontrar alguma verdade, algum valor universal, que conduza o Homem, como o apresentou Álvaro Campos? Teremos alternativa a estes dois caminhos?
Poderemos simplesmente viver, de acordo com um fundo de valores que foi sendo recolhido pela memória histórica, como o sugeriu Ricardo Reis? No fundo nos heterónimos encontramos a imensa variedade de possibilidades que formam o género humano.
A Mensagem, relato poético dos feitos dos portugueses, não é um texto que procura enaltecer o passado de um povo. A verdadeira e única força capaz de modernizar o País seria a criação de um quinto Império, onde só o valor da cultura e das ideias poderia reconstruir um futuro diferente. Portugal só poderá ser diferente, isto é melhor, se for ele próprio, se assumir a sua verdadeira dimensão.
O modernismo de Pessoa é a tentativa de através das letras e da arte transformar pelos sonhos e pelas atitudes o horizonte futuro de Portugal.
A Mensagem, como toda a sua obra é de uma natureza universal porque sonha criar a multiplicidade que cada ser humano transporta, a nossa Humanidade. Avaliar em cada momento o que poderemos ser, de acordo com o que somos, recriando isso no futuro é uma das heranças de pensamento que Pessoa nos deixou. Só os verdadeiros génios conseguem na onda do tempo quotidiano, compreender e revelar como poderemos transformar o presente, assumindo uma dimensão de desenvolvimento que sucessivamente vem falhando, em sucessivas gerações a este País.
É justamente porque aqui, os movimentos de ideias não actuam sobre a organização social que tantos não tiveram a oportunidade de contribuir para que ainda hoje se sinta um imenso nevoeiro, onde «tudo é incerto e derradeiro (...) tudo é disperso, nada é inteiro.»
Sendo um blogue de livros, não podemos deixar de concluir com Mariano Deidda, que «Pessoa inventou a literatura», não por ter inventado as palavras, mas por ter feito nascer novas palavras às que pensámos já conhecer, numa dimensão de futuro, onde a nossa única limitação só pode ser a nossa própria imaginação.
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