domingo, 30 de novembro de 2008

Fernado Pessoa - Evocar o Génio - (1)

Alberto Caeiro

O meu olhar é nítido como um girassol.

Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,

E de vez em quando olhando para trás...

E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
sei ter o pasmo essencial

Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...

Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo...
Creio no Mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele

Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele

(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo ...

Eu não tenho filosofia, tenho sentidos...
Se falo da Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...

Fernando Pessoa, Obras Completas, Assírio e Alvim

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